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Representação, Imaginário, Contexto Histórico, Identidade e Cotidiano, tendo em vista as artes em processo de interação metalinguística

     A sociedade está marcada pela representação do imagético, e a decodificação desta imagem vai depender do que determinada sociedade tem como referência desta representação e deste simbólico. Estes códigos sociais são construídos ao longo dos tempos pelas pessoas e regras sociais. Assim, cada cultura e sociedade faz sua própria leitura de acordo com sua a referência e códigos que cada uma possui. A arte por exemplo é construída socialmente e as pessoas vão interpretá-la de acordo com os valores que tenham em dado momento da história. Em relação a sua concepção considere também que além do lugar, cultura e época, as situações e acontecimentos aos quais o artista passa deixam marcas profundas em sua obra. Embora nunca será possível captar a realidade tal qual ela é, pois sempre será uma reapresetanção desse real ao qual lhe serviu apenas como ponto de partida e inspiração.

     Nas novas formas de representação do real, principalmente através das mídias digitais, há que se refletir sobre o representativo na criação de um novo e imaginário numa dinâmica de tempo e espaço que representa o real. A realidade deve servir de ponto de partida e não como a cópia fiel desta. Um marco para o movimento que deu início ao Modernismo nas Artes tivemos no início do século XX o quadro “A traição das Imagens” de René Magritte com a presentação de um cachimbo e a escrita em francês no próprio quadro com a afirmação de que aquela imagem “não era um cachimbo”, deixando claro que a obra não tinha a pretenção de ser a representação fiel daquela realidade. Como nos esclarece Pesavento esta representação não é uma substituição do real, mas uma representação a partir do real dotada de simbolismo que será interpretado de acordo com os códigos sociais daquela sociedade, considerando-se a época de sua concepção. Uma leitura bastante complexa, como muito bem esclarece Sandra Pesavento em História e Reflexões (PESAVENTO, 2005, pág.23):

            “...um processo complexo, pois o historiador vai tentar a leitura dos códigos de um outro tempo, que podem se mostrar, por vezes, incompreensíveis para ele, dados os filtros que o passado interpõe. ”

            Não apenas o historiador, mas toda a sociedade que se põe a entender determinadas composições artísticas e culturais de outros lugares e épocas. Um exemplo relacionado a cultura afro-brasileira é a forma como os negros encontraram durante o período da escravidão no Brasil para ajudarem-se uns aos outros durante um momento tão difícil da história do sofrimento de um povo. Afim de oferecerem comida e suporte para os negros que resistiam à escravidão e fugiam das senzalas embreando-se no mato, os escravos colocavam comida e bebidas em pontos estratégicos nas estradas, como nas encruzilhadas. E para afugentar os animais acendiam velas em volta dos alimentos. No entanto, para justiçarem tal conduta argumentavam que se tratava de uma oferenda aos deuses de sua crença religiosa considerada pagã e muito discriminada até os dias atuais. Com receio do desconhecido e o preconceito contra as religiões afrodescendentes ninguém que não conhecesse a verdadeira intenção se aventura em mexer na tal “oferenda”. Já os fugitivos sabiam que contariam com esta ajuda dos seus irmãos para continuarem no caminho que lhes levariam à liberdade. Com o passar dos séculos e fim da escravidão, o preconceito continuou. E o que antes representava um gesto de amor simbolizando resistência e luta, hoje em nossa sociedade ainda desperta na maioria das pessoas repúdio e medo, pois o significado para elas de acordo com seus parâmetros em relação a esta história e significado é outro. Com o passar do tempo esse rito representativo da cultura afro-brasileira passa a tomar outras formas no imaginário popular e até mesmo dos próprios praticantes de religiões como umbanda e candomblé. Recebendo o nome de “macumba” (antes um instrumento africano) as oferendas nas encruzilhadas passam a fazer parte de ritos religiosos aos deuses pagãos que são associados aos demônios pela Igreja desde a Idade Média. Perceba o quão complexo é a análise de uma cultura, seu simbolismo e significados. Para a compreensão de fatos como esse deve-se considerar a história composta do real, fatos que realmente aconteceram e a outra vertente de crenças que povoam o imaginário com narrativas fantasiosas.

      Além do entendimento e reconhecimento do verdadeiro sentindo de fatos como este referente às práticas culturais que envolveram o povo negro no Brasil devemos ter “respeito e tolerância para com a diversidade e diferença como nos sugere Tomaz da Silva em A produção da identidade e da diferença social (SILVA, 2007). Mas logo ele nos esclarece que apenas o mlticulturalismo diante da diversidade cultural não basta, pois a identidade e a diferença fazem parte de de uma relação de poder, o que vai muito além de “uma questão de consenso, de diálogo ou comunicação.” Nesta linha de pensamento, nosso exemplo referente a ação da religiosidade do negro em muito nos esclarece. Aceitar que diferente do que se acreditou  sobre a macumba, ela não teve origem no “mal” e nem seus deuses são a personificação do demônio esteriotipado pela Igreja Católica do período medieval, é o mesmo que aceitar não haver superioridae entre as duas práticas religiosas. Isso seria inaceitável por aqueles que exercem o domínio há tanto tempo por meio da pregação do deus único, soberano, vingativo e que tanto temor causa aqueles que fogem às suas regras.

 

     Um lugar propício para se trabalhar essas diferenças, reafirmação de identidade e reconhecimento das fronteiras entre uma cultura e outra seria no ambiente escolar. No entanto, na prática é neste mesmo ambiente que se tem tomado atitudes de massificação e desconsideração da diversidade cultural. Imagine um território onde constatamos diversas fronteiras repletas de diferenças como numa sala de aula. São encontros de pessoas de famílias, culturas e espaços tão distintos, mas que se relacionam num mesmo ambiente. Talvez este seja um dos motivos da dificuldade de convivência e existência de tantos conflitos nas escolas. Outro fator relevante é o conteúdo abordado pelos professores em sala, trata-se de um currículo que prioriza determinada cultura em desfavor de outra como ocorre com a relevância e destaque dada a cultura europeia e a pouca importância à africana.

     A parte mais crítica acredito ser a falta de respeito a identidade de cada um. Mesmo observando-se as diversas fronteiras ali existentes, as diferenças são ignoradas. Um ambiente que deveríamos reconhecer como entre-lugares para se fomentar discussões sobre as diferenças e criar um ambiente rico propício a compartilhar culturas, promover trocas e estabelecer uma convivência digna. No entanto, o que observamos é uma padronização imposta muitas vezes pela cultura de massa, outras pela elitização de determinada cultura, como por exemplo a cultura erudita supervalorizada em relação a cultura popular. O aluno se vê na maioria das vezes inferiorizado e desrespeitado. O ideal seria partir do princípio que toda cultura tem sua relevância no contexto e papel que cada uma desempenha na sociedade e época a qual pertença.

"A traição das imagens" de René Magritte

"Oferendas" - Uma imagem pode ter diferentes interpretações dependendo do código social construído pelo indivíduo que o observa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PESAVENTO, Sandra J. Mudanças epistemológicas: a entrada em cena de um novo olhar. In:

História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

SILVA, Tomás Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença, In: SILVA, Tomás Tadeu da. (Org.). HALL,

Stuart, WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Ed. Vozes, 2007.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, (vol 1). Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

BRITO, E. Z. C de; PACHECO, M. A e ROSA, R (orgs). In: Sinfonia em prosa: diálogos da história com a música.

São Paulo: Intermeios, 2013.

ROSA, Robervaldo Linhares. “Dize-me o que cantas... direi de que bairro és”: História e música na belle époque carioca. In:  Revista Guanicuns, Vol. 8, nº 12. Goiânia: 2016.

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