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         Observando o poema “Me gritaram negra” de Victoria Santa Cruz, uma poetisa, dançarina, coreógrafa e figurinista peruana nascida em 1922 e viveu até 2014, percebemos que no poema a artista relata um fato verídico que aconteceu com ela ainda criança e que lhe marcou profundamente, o fato é na verdade um ato de racismo, infelizmente muito comum. A diferença foi que ela transformou a dor em poesia e arte, engajando uma luta em favor da consciência negra. Marcada por uma história de superação, estudou artes em Paris e deixou em diversas partes do mundo um legado com seu trabalho como artista. Criou também a escola de danças negras no seu país, o Peru.  

       Este poema em outros tempos nos caberia apenas lê-lo, mas a arte contemporânea nos possibilita vivenciar as diversas linguagens artísticas numa mesma obra vista em um novo contexto e forma. Além da linguagem literária este poema ao ser declamado traz consigo uma dramaticidade forte quanto sua relevância ao tratar do preconceito racial. O poema que antes fora concebido na forma escrita agora envolve diversas linguagens que não descaracterizam os tipos de artes envolvidas, mas cria uma arte muito mais expressiva, visual e dinâmica. Essa forma híbrida de se conceber as novas formas de arte caracterizam as performances artísticas da arte contemporânea.

               A interação entre as linguagens artísticas

         Numa mesma obra temos a integração entre poesia, teatro, dança e música. A autora, que agora é a protagonista nesta encenação, carrega nas expressões faciais e corporais, na emoção e na teatralidade durante a sua interpretação. Há também uma musicalidade que vai além das rimas de sua criação original, observamos um ritmo nas falas, nas palmas e na sonoplastia do tambor tocado ao fundo. Outros personagens na cena também participam ao gritarem no ritmo de um coral, que conforme a carga dramática aumenta com a efetiva aceitação da sua própria raça. Os gritos passam a ser mais efetivos e combinam com o ritmo de uma dança numa expressividade corporal. É nessa integração entre essas linguagens artística que nasce uma performance que nos é disponibilizada num registro audiovisual e compartilhado através das mídias intermidiáticas. Antes o vídeo se restringia apenas no registro e documentação da performance em si, agora ele também integra esta composição artística exercendo uma função até mesmo multiplicadora ao proporcionar uma abrangência muito maior de público capaz de interagir e se comunicar com esta arte.

            No texto de Meireles (p.4, 2004) a autora já observa a possibilidade interativa das diversas linguagens artísticas, principalmente em relação as artes cênicas: “O fenômeno das artes cênicas compreende várias linguagens artísticas na sua constituição e realização. Várias linguagens tomam corpo, forma e coabitam em um mesmo ambiente de discursos múltiplos.” Compreendemos então que o próprio teatro possui uma característica distinta das demais outras artes por sempre ter possibilitado a interação entre as diversas outras formas artísticas. Desde o seu surgimento, fosse na Grécia antiga ou nos rituais cênicos primitivos da Pré-História, já disponibilizava espaço em sua concepção para a música na sonoplastia, os elementos visuais no figurino, máscaras e cenários, a literatura nos textos da própria literatura dramática e mesmo na dança como forma de artes cênicas. E esta característica que antes só permeava as artes cênicas agora é estendida para todas as formas de arte, marcadas por uma atuação bem mais efetivas e dinâmica.

         Se a arte é uma forma do homem se expressar e transpor seus sentimentos e ideias para que outros também tomem parte do seu universo criativo, é compreensível que nesta sociedade cada vez mais dinâmica, interativa e livre de barreiras que delimitavam espaços e culturas diversas, surja novas formas de arte com concepções diferentes das vivenciadas no passado. A tendência é que cada vez mais seja possível somar e integrar as linguagens artísticas e não mais fracioná-las. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Meireles, Tânia Mara Silva. Forma em movimento: um diálogo entre as Artes Plásticas e as Artes Cênicas. Escola de Belas Artes da UFMG, 2008.

Dallago, Saulo Germano Sales. Hibridismo e Fragmentação: a junção de linguagens artísticas na montagem do espetáculo Enquanto Dure.

PESAVENTO, Sandra J. Mudanças epistemológicas: a entrada em cena de um novo olhar. In:

História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

POEMA MUSICADO: "Me gritaron negra" de Victoria Santa Cruz.

POEMA MUSICADO: "Me gritaram negra" com interpretação em Libras.

Ducumentário:  

Victoria Santa Cruz - parte 1 .

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